sexta-feira, 25 de março de 2016

esCrita - Charles Bukowski

Factotum 2



Se você for tentar
Vá até o fim
Do contrário nem comece
Isto significa perder namoradas,
esposas, parentes, empregos
e talvez a própria cabeça
Pode significar
3 ou 4 dias sem comer
congelar no banco da praça
pode significar cadeia
menosprezo, zombaria
pode significar solidão.

solidão é dádiva
tudo o mais é um teste de persistência
para medir o tamanho da sua vontade.

E você fará
apesar da rejeição
e do pior pode acontecer.
mais isso será melhor do que qualquer
coisa que você imaginar

Se você for tentar
vá até o fim.
Não há nenhuma sensação como essa
você estará sozinho com os deuses
e as noites arderão em chamas.

Você vai levar sua vida
em constante gargalhada.

Esta é a única boa luta que existe.






Assis  garceZ





































tradução: A.A. Mercador

quarta-feira, 23 de março de 2016

cOnto - nós / Luis Vassallo


Nós



Acredito ser como os outros, pois minha cabeça é o cotovelo de um tio distante, um sujeito que insiste em roer as unhas e arrancar as pelezinhas rebeldes dos dedos, e qualquer movimento que faça acaba por me dar puxões, desatar pensamentos, uma sucessão de palavras que se alonga como uma dor leve e incessante, enquanto na parte posterior da minha coxa direita encosta a nuca de minha prima e acho que essa coxa seja talvez o seu pescoço, não sei, afinal ela nunca foi de falar muito, e quando quer dizer algo usa esses dedos todos que afagam a minha perna como se dedilhasse um instrumento musical com a maestria de quem sabe provocar sonoros gemidos e eu adoro, adoro, e não conheço nada que não seja a própria família, que não nos toque, nos pertença,e não reclamo, pois cada coisa tem o seu lugar, a sua posição na família, e estou bem aqui, mas hoje abri os olhos e me deparei com algo, um copo d’água, não muito próximo nem muito distante, reluzindo, ali, diante de nós, mas logo esqueço a existência desse copo, pois não tem jeito, saí aos meus, e costumo me ocupar com coisas maiores, coisas realmente importantes, coisas como as regras da família, a tradição que percorre células, nervos e fibras, como se estes músculos enrijecidos fossem tábuas aguardando a inscrição de suas ordens, pois sei que essa é a nossa índole, nossa vocação, permitir que a tradição passe de um corpo a outro, um a um, percorrendo toda a família, como se deslizassem ao longo de um cordão, mas às vezes não esqueço e olho o copo esquecido, toda aquela água represada, contida, à espera de um transbordamento, como os pensamentos na minha mente, à espera, um pequeno gesto e talvez toda aquela água pudesse ser nossa, basta apenas alcançá-la, mas sou apenas essas pernas e braços, amarrados, retesados, e olho aquele líquido quieto, contido, como a própria família em sua eterna dormência, gota a gota, corpo a corpo, e cada um tem direito a uma pequena parte, ao seu quinhão do líquido reluzente daquele copo, e sabia que bastaria um mero concordar de olhos para que tivéssemos ela toda para nós e que não a tomávamos por sabedoria ou precaução, sabia disso, pois na família preferimos o pensamento enxuto, a boca seca, e chegaria o tempo em que cada um de nós teria a sua parte daquele copo, um tempo em que todos seriam saciados, e o que nos resta agora é a espera, a maior das virtudes com que fomos brindados, a espera calma e firme feito a superfície das tábuas musculares diante das intempéries dos pensamentos de sentido duvidoso, mas algo insiste em pulsar, algo desencontrado da conformidade da família, um cansaço dessa paciência insípida, uma vibração abaixo da epiderme firme e coesa da espera e logo descubro em mim a contração de músculos clandestinos, partes do corpo que a anatomia não conhece, o impulso em busca de um mergulho ao fundo de tudo o que parece inalcançável, do encontro com tudo aquilo que sei que está reservado a mim, o meu quinhão, a minha recompensa, e não peço nada além disso, mas talvez não seja certo e não deva dar atenção a essa ânsia que não pode ser minha, mas é tarde, e os músculos quase involuntários, antes de voltar para as gordas sombras dos ossos, um formigamento que correu pelo meu corpo espalhando-se pela família como cupins, hospedando-se no oco das carnes, perfurando músculos, corroendo leis,e permaneci imóvel à espera do inevitável, mas logo que senti o puxão, um deslocamento brutal de nossos corpos, imaginei que o cordão havia se partido, que estava aberta a fissura no corpo milenar da família. Abro novamente os olhos e vejo a família, uma fileira interminável de corpos serpenteando pelo chão, cada um preso de algum jeito ao da frente e ao de trás, eu estou grudado ao meu tio e à minha prima, mas agora estamos deslocados, e percebo que o puxão fez com que nos desprendêssemos, e somos um cordão menor que começa a caminhar e segue paralelo ao cordão familiar, o rígido cordão familiar, pois a eles importa apenas o corpo ali esticado, tenso, coeso, bem amarrado, sustentado pela suspensão do estar, da espera, e parecem desfilar diante de mim como atores de um espetáculo passageiro, pois um ar trágico desce sobre os rostos como um véu, e vejo nas expressões sedentas que tudo está ali, todas as nossas verdades, sentimentos, tudo o que conheço passando diante de mim, os membros ensaiando gestos soberbos, magistrais, mas que morrem na repetição de um desenho grosseiro e irretocável, traçado na aurora das articulações, um espetáculo de beleza suspensa no calor de um abraço impossível, uma vontade de apertar os corpos contra o meu e afastar esse véu com um sopro de alento, pois todos merecem a sua parte da recompensa guardada nas profundezas daquele copo que às vezes não me sai da cabeça, todos ali, grudados, sem oferecer qualquer espaço entre eles onde pudéssemos nos encaixar, pois faz frio longe do calor daqueles corpos, e talvez a única chance de voltar ao grupo principal seja encontrar uma das extremidades, mas logo percebo que a família não termina, perde-se de vista nas duas direções, que não chegaremos a nenhuma de suas pontas e que não há mais volta, permaneceremos como um cordão menor, pois os malditos não se desgrudam e tratamos de caminhar de volta e buscar nosso local de origem, mas já não reconheço as pessoas e nem os lugares, pois os lugares são as pessoas na nossa família, e só nos resta o frio que cresce e este espetáculo que se repete, o espetáculo cansativo da convulsão dos corpos em movimentos repetidos como uma serpente que agita a mentira na melodia do seu guizo, o encantamento pendurado em articulações frouxas e uma vontade de rir e rir, contrair todo o corpo numa gargalhada feroz rompendo amarras, fibras e tendões, o deboche da gargalhada e o frio me envolvendo, uma bola de deboche em gestação na barriga e fecho os olhos e engulo um pouco de saliva para acalmá-la, mas foi nesse instante que... um espirro, a resposta ao frio, e tudo estava perdido. Pois foi nesse espirro que me desprendi, um único, e, quando abro os olhos, quando abro os olhos, meu Deus, não vejo mais meu tio, nem minha prima, estou só, mas como pude, e talvez ainda possa voltar, mas não, que nada me será dado, nenhuma concessão, sei disso, estou só, o corpo em convulsão, membros desgovernados e pensei que talvez tivesse puxado alguém, mas não, era só eu, como se esquecido, e busco nas brechas das carnes as regras da família, a tradição volumosa que corria em mim, tromba d’água das artérias, irrigando todo meu corpo, mas só me resta a sua secura fria e azulada, e tento me aquecer com a lembrança dos relatos que chegavam naqueles tempos, e diziam que as extremidades da família eram belas e harmoniosas, e que, quem as olhasse de frente, posicionando a fila exatamente atrás dela, veria uma única pessoa, pois a família sempre se movimenta em perfeita sincronia, como se todas as vontades fossem uma única, mas tudo não passa de uma confusão, do fracasso latente na memória dos músculos e esse calor já não me basta e me lembro da minha prima, a saudade daqueles dedos sedentos a percorrer minha ansiedade com a harmonia de uma música distante e, num impulso, tento reproduzir sua melodia de gemidos vibrando fibras e tendões, erguendo as formas e os movimentos com os quais recrio os relatos das extremidades da família, pois quem a olha como um só corpo vê um ser amorfo, sustentado por várias pernas, cada uma tentando seguir por uma direção, uma coisa única desencontrada da própria vontade, mas nunca crio coisas muito úteis, fazer o quê, saí aos meus, e quando percebo estão todos olhando para mim, toda a família, como se o espetáculo se invertesse e os atores, agora acomodados na plateia, lançassem um olhar de desconfiança e escárnio diante da minha revelação de ossos desencontrados, contorcendo-se ao lado daquele copo d’água, mas o que eles não entendem é que meus gestos secos e desconjuntados escondem, por trás da aura de invenção grotesca, a repetição estéril da origem, um amontoado de tecidos e órgãos e olhos e boca e sede que coincide com o corpo da família, pois eu sou a família, e, antes que alguém possa interceder, tomo sozinho, inteiro, o copo d’água.



sábado, 19 de março de 2016

sexta-feira, 18 de março de 2016

Ver - O riso



O riso

Solange Argon






Videodança livremente inspirado na obra A coleta da neblina de Brígida Baltar, e no poema O riso de Claudinei Vieira. Islândia, setembro de 2015.


"Entre mim e Claudinei Vieira acontece um mutualismo artístico. Ele escreve, eu me inspiro, eu danço, ele escreve, eu me inspiro... uma fruição mútua que nos nutre e mantém nossa arte conectada."

Concepção, interpretação e edição

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