terça-feira, 26 de abril de 2011

cOnto


   
 Apenas
sobrepostas
 camadas de pele
 insistentes
   na falsa verdade 
  do tempo.

Peregrinando pelas ruas, como de costume, vejo passar algo que despertou minha atenção de tal forma que por um instante não senti o chão, foi quando percebi que estava levitando.
 - que loucura é essa!. Não, não a minha repentina capacidade de voar e, sim a atração que aquele automóvel exercia; era extremamente fascinante, pois sua pintura diferia de tudo que tinha visto em um carro, aquilo era surpreendente, todo colorido em flores, algo impressionista, quase um Monet. Depois  de algumas curvas a expressão impressionista automotiva entrou por um portão, que lentamente foi fechando, senti um impulso mais forte em meu voo - sensação de montanha russa -, impulso que evitou literalmente a minha cara no portão, que para meu alívio não foi o que aconteceu, e logo que consegui a façanha de entrar a tempo, deparo com o motorista, ou melhor, a motorista na figura de uma menina, vestida em outro Monet - "nenúfares" - ela me olhou e não notei espanto em seu rosto, reconheço que meu ímpeto ao seu encontro foi de assustar; no entanto, como estivesse à minha espera, quando bem próximo estava, ela me entregou um pincel; pincel desses que se usa em paredes - assim acredito - tinha tinta azul, mesma cor da parede na frente da casa, não aguentei e sorri; não gargalhada, um riso de satisfação em não tê-la assustado; fui retribuído com gracioso riso, que sinestesicamente acredito ter sentido um sabor, não sei ao certo qual, só sei que senti e era bom; aceitei o pincel sem conseguir pronunciar palavra alguma, simplesmente por falta de necessidade, já que a motorista com seu jeito espontâneo diante da presença de um estranho, tornou peculiar situação, mais que normal; a porta estava aberta e dentro do que posso chamar de sala - mais nenúfares de Monet, dessa vez, não sei por qual motivo, percebi serem pintadas por alguma criança, e não é que aparece uma criatura - uns cinco anos, acredito - com um pincel ainda com tinta amarela; olhou pra mim, parecia me conhecer muito bem; agi - não ouvi algum pedido - levantei o garoto a uma altura que sua estatura não permitia alcançar na parede o espaço ainda azul, e lá vai o pequeno artista com suas pinceladas alegres semelhante à cor da tinta - amarela. Viro o rosto; estamos sendo observados - assistente carregando o artista - cansado, desci o impressionista prematuro que logo deduzi ser filho da intrigante observadora;  ele começou a resmungar e entendi ser uma reclamação por alguém que não vinha visitá-lo desde o natal. 


- É o pai dele? - perguntei

- Não; é avó - disse a anfitriã

Ainda respondendo à intrometida pergunta, a aparente garota com praticidade incomum, começou a armar e desarmar coisas que em instantes viravam mesas e outros acessórios comuns a uma casa; a habilidade era tamanha que só restou a certeza de ser a própria, a construtora daquilo tudo; foi; foi nesse momento que realmente vi uma mulher naquele frágil ser - surpreendente Mulher. O vestido em tecido suavemente diáfano com pinturas de flores e cores diversas e variados tamanhos; visualizei seu corpo, imaginando como seria gostoso tocá-lo - mesma vontade que senti diante da escultura de Giacometti; aquela obra de arte em pessoa seduzia entrelaçando minhas percepções que já não sabia mais o que sentia - desejo incontrolável em possuí-la; uma irresistível vontade em abraçá-la.
Rosto com discreto sorriso, cabelos curtos caindo sobre os olhos sem no entanto encobri-los, a destreza manual com que dominava as armações ao seu redor - por um segundo ela parou e olhou; um olhar ímpar - sentia exalar perfume.
Sem domínio, palavras escapuliram:

- Você é engraçada - falei.

- Você é falso - falsidade de um executivo - respondeu a ilusão. 

                                                                                               
                                                                                          
                                                                                   texto/arte: Assis  garceZ


 

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